O Chafariz
Era uma tarde quente e úmida, a garoa periódica acabara de terminar. Podia-se sentir o perfume das hortênsias e jasmins pela janela do segundo andar. Sentado em uma cadeira havia um jovem de pele morena, cabelo liso molhado sobre a testa, seus olhos eram de um castanho sólido. Ele olhava para o horizonte com uma expressão séria e com olhos sonhadores. Sua mão repousava sobre um pequeno livreto, de couro preto, onde havia uma inscrição que parecia de próprio punho, dizia:
“Christine,
Preciso dizer-te algo, e isto supera a mim. Imaginei mil palavras, busquei mil versos de grandes poetas pra retratar o imensurável. O sentimento que tenho por ti não consigo expressar, buscaria as estrelas para colocar como enfeites em teus cabelos, subirias ao céu e pegaria o arco-íris para dar-te como coroa. Es a bela que a habita em meu peito. Es a princesa que alegra meus sonhos. Es a”
O jovem, que se chama August, como que acordando de um sonho, olhou para o livreto ponderou um pouco, até que por fim, jogou sobre uma mesa próxima.
-Que covardia! Seja homem! Olhe-a nos olhos e fale: Eu gosto de você! – disse em voz alta, socando a mesinha.
Olhou novamente para a janela, soltou um pequeno suspiro e levantou-se.
August tinha 21 anos, as pessoas normalmente o descreviam como alguém quieto, sério e um pouco sonhador. Neste momento estava apaixonado.
Foi um desses amores pouco comuns, ele a viu em uma de meio de ano, ficou fascinado, cada mínimo detalhe que percebia nela era algo incrível e apaixonante, o tom claro acastanhado de seus olhos, e de seus cabelos, seu jeito quieto e seguro de ser, seu sorriso e sua inteligência. Parece que sua empreitada nessa aventura cruel e fantástica estava dando bons resultados, pelo menos era isso que ele acha, mesmo em suas muitas incertezas.
August se levantou pesaroso, pegou uma blusa, calçou suas sandálias e desceu os degraus da escada lentamente. Sua mente estava uma confusão, a necessidade de expressar os sentimentos estava em um conflito com a possibilidade de rejeição. Desde a noite passada que sonhara com a temível negação, sua esperança estava vacilando.
No sonho ele estava no prédio de Christine mesmo não o conhecendo, era uma arquitetura acinzentada de apartamentos em blocos, ele aparecia com um ramalhete de flores, e com um sorriso, se declarando, parecia um momento perfeito, a cena se escureceu, ouve uma negação sem frases, o ramalhete caiu no chão, e neste momento August acordou.Talvez pareça um sonho bobo, mas para um apaixonado, mesmo isto é motivo para um desespero.
Ele abriu a porta e saiu para o jardim, respirou profundamente, absorvendo cada aroma do lugar e começou a andar sem rumo certo. A rua era ladeada de árvores, crianças brincavam de pular corda nas calçadas, homens e mulheres passavam apressadamente se exercitando. August andava de cabeça baixa, mãos nos bolsos, se concentrando em algum ponto fixo entre o chão e uma visão clara para não esbarrar em alguém.
Passou por algumas ruas até chegar numa pequena praça. Ela era rodeada por um gramado verde exuberante, e por pequenos bancos de pedra de uma cor branca, e no centro um pequeno chafariz que já não funcionava. August parou na frente do chafariz e começou a ler as inscrições feitas em suas bordas, frases de amor de alguns casais. “Uma fonte do amor”, pensou. Com um sorriso sarcástico aparecendo no rosto.
Ele não tinha nada a perder, pegou uma pequena pedra irregular no chão e escreveu na borda: “Se há desejos que possam se realizar, que eu aprenda como amar e conquistar”. Leu novamente a inscrição e se virou para ir embora.
-Bela frase, rapaz! – disse um senhor.
August olhou assustado, não havia ninguém ali um segundo atrás. De onde poderia ter surgido aquele velho?
O senhor tinha um aspecto distinto, cabelos brancos, um sorriso bondoso e profundo olhos azuis, usava um caça caqui cinza, uma camisa branca de botões e cintos e sapatos pretos brilhantes, como se tivesse recém engraxado.
- Obrigado. – disse August surpreendido.
- Sabia que eu conheci a minha bela senhora, exatamente no lugar onde você está? Escrevi a minha declaração ai e mostrei para ela. Disse o velho.
-O senhor teve uma boa idéia. No seu tempo talvez os romances fossem mais simples- disse August.
-Não há mudanças no amor, meu jovem, nós é que a complicamos. Hoje tudo é tão rápido, mas o romance não se influenciou com essa correria. Não há maior segredo para o sucesso no amor que a paciência. –disse o velho.
-Me perdoe, mas para o senhor talvez seja fácil falar, conquistou a sua. Mas hoje é mais complicado, mais difícil, a maioria das vezes o inerte não ganha.
-Você não me entendeu, não disse inerte, e sim paciente. Posso arriscar um palpite, você está apaixonado e sem esperança, acertei? –disse o velho sorrindo calmamente.
-Talvez. Respondeu August receoso.
-Acho que foi um sim, o que lhe tirou a esperança? Disse o velho.
Como água em ebulição, todos os medos e problemas borbulharam na mente de August, quase incontrolável. “Que mal faria falar para o velho?” pensou. “ Se há alguém que possa ter a resposta é ele”
-É difícil! Ela não fala como se sente, se protege demais, não me procura, não sei o que pensar. Às vezes acho que ela está sentindo algo, mas depois ela vem com uma conversa de amizade e umas frases soltas que penetram na minha mente e tiram as minhas forças. Não sei o que fazer, não posso me declarar sem ter a certeza que ela gosta, mas ela não demonstra.
-Entendo. Você precisa entender o que é amar. Disse o velho.
- Eu sei o que é amar. Estou sentindo isso.
-Não meu jovem, você não sabe. Você está apaixonado, quando souber o que é o verdadeiro amor. Nunca mais perdera as esperanças. –disse o velho.
-Então o que é amor? –perguntou August.
-Não vamos nos prender em definições de amor, mas o que o amor transmite. O amor é eterno, quem ama nunca busca a si mesmo, mas se oferece para suportar, esperar e sofrer. O que você busca na menina que você diz que ama? Por que você a quer na sua vida?-disse o velho.
-Porque me deixa feliz ela ao meu lado, porque ela se tornou parte importante da minha vida.- disse August.
-Encontramos então o nosso primeiro erro. Você a quer por sua felicidade. Mas o amor não se comporta assim, ele procura realizar a felicidade do outro. Você deve saber que o objetivo principal de seu relacionamento é fazer sua parceira feliz. –disse o velho.
- Difícil de entender!
- Não disse que seria fácil, meu jovem. A maioria das pessoas entra em relacionamentos apenas pelos sentimentos e tentam satisfazer as suas necessidades. Mas é o oposto, cada parceiro deve ter em mente as necessidades do outro. Vamos a outra pergunta: O que você conhece sobre ela? Quais os desejos? Gostos?
-Eu conheço o suficiente. Mas não posso dizer com certeza todos eles. Disse August.
-Você parecia apressado e angustiado para ela gostasse de você, mas não a conhece. Você está gostando de uma definição sua dela. Pense, como vai se relacionar com um desconhecido. Seja paciente meu jovem, há tempo para tudo. Não tenha pressa, aproveite esse momento de conhecê-la, sem pressões de relacionamento. Talvez só a amizade agora pareça ruim, mas na verdade deve ser uma das fases mais prazerosas. É nesse momento que o verdadeiro gostar surge e se fundamenta. Acredite em mim, conhecer o parceiro numa amizade te livra de muitos problemas futuros.
-Não tinha pensado nisso. Talvez eu esteja me apressando. Mas queria tanto dizer que estou apaixonado por ela. E saber que ela gosta de mim.
-Jovem, o momento virá, e será especial, mas não se apresse. Antes disso você tem que aprender a ser um homem digno dela, capaz de fazê-la feliz. Infelizmente, isso não posso ensiná-lo. Você irá aprender. Mas tenho uns conselhos. Seja sempre paciente, bondoso, e amável; seja sempre justo e firme em fazer o bem e o certo, não seja ciumento, nem orgulhoso, nem vaidoso. Não guarde mágoas, nem em suas brigas. As lágrimas delas são mais valiosas que pérolas. E principalmente, nunca desista de fazê-la feliz, não importa as circunstâncias ou dificuldades.
-Eu entendo! Muito obrigado senhor. Realmente não sabia nem de perto o que era amar.
- Leve essas palavras com você, filho. Levei muito tempo para aprendê-las.
-Certamente não me esquecerei. disse August
August virou para o chafariz, leu de novo a inscrição que escrevera. Deu um pequeno sorriso.
-Minha hora chegou. Adeus August.- Disse o velho.
August se virou, mas o velho havia desaparecido. Ele olhou para o banco, sorriu e pensou: “Talvez essa fonte realmente funcione”. Tocou no banco onde o senhor estava e disse:
-Adeus, velho.
Com um sorriso August voltou no caminho para casa. Tudo parecia que mudara, não olhava para o chão, mas reparava em cada beleza em seu caminho. Ele ainda não compreendia totalmente o que era amar, ou se apaixonar, mas parecia agora esta no caminho certo.
Subiu as escadas de sua casa, pegou o pequeno livreto. Arrancou a página onde havia a confissão e escreveu:
“Christine,
Se um dia você ler isso, saiba que até então não era digno de você, e provavelmente não sou. Mais saiba que quero aprender a cada dia sobre você, quero saber cada desejo e cada sonho, por mais bobo que seja. Quero fazer cada um deles se realizar, não importa quanto eu tenha que lutar. Você é muito especial pra mim, mas do que possa imaginar. Estou aprendendo a cada dia ser uma pessoa melhor, lutando mesmo contra mim.
Eu poderia ter escrito as coisas mais românticas possíveis, mas são palavras vãs. Prefiro abrir o meu coração. E é isso que sinto. Que não sei ao certo como vai ser conosco, e isso realmente me amedronta, mas ter você ao meu lado seria uma das mais intensas felicidades. E minha felicidade seria te fazer feliz. Não sei os meios, não sei como, não sei onde, nem os porquês. Mas Deus quis que eu me apaixonasse por você. E espero ser o melhor pra você. E sei que Deus ouve as minhas orações diárias, e se for a vontade Dele, você sentirá o mesmo por mim.
Tenho muitas coisas pra dizer. Mas as quero dizer pessoalmente e no momento certo.
Estarei com você sempre que precisar.
August ”
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