Sim

“Sim”. Às vezes pequenas palavras são o limiar que precede grandes acontecimentos. Como encontrar a mulher que pode mudar nossas vidas, dar alegrias e sentimentos tão vivos que até então nos eram desconhecidos.
“Sim”. Foi a resposta que dei ao convite de sair naquela noite. Clube de salsa, o lugar mais improvável para me encontrar, meu conhecimento de dança era limitado a dois pra cá dois pra lá de uma valsa.
Há no homem uma sensação parecida com um sexto sentido, quando algo vai acontecer nos sentimos diferentes, como uma força nos puxasse a um destino impossível de escapar, e temos total conhecimento dessa força. Às vezes é um nervosismo repentino ou a preocupação com algo que nos é desconhecido. Assim que me senti ao entrar naquele clube, sabia que o meu destino me puxava pra lá.
O ar era um pouco pesado, aquela mistura de perfumes e suor dos que dançavam. Pessoas rodavam na minha frente em movimentos uniformes e rápidos. Aquilo era um pesadelo para um “pé de chumbo” como eu. Fui seguindo meus amigos até uma mesa onde umas mulheres estavam presentes. Cumprimentei todas sem prestar atenção em suas aparências. Aquele clima febril me atordoava.
Entre aqueles vultos em movimento percebi uma silhueta, uma mulher em um vestido preto andava em direção a mesa, sentado como estava só percebi as curvas belas e uniformes, tão perfeita quanto a personificação da própria Vênus de Milo. Quando se aproximava pude notar sua tez morena, seus cabelos em cachos perfeitos como uma onda derramando em seus ombros. Fiquei sem ar, poucas são as mulheres tão deslumbrantes que retiram nossa vida por apenas um segundo, para enfim renascemos apenas para a sua beleza. Morri e renasci apenas para ela.
-Camille! Só faltava você.
Alguém disse a mesa.
-Desculpem a demora. Tive um pequeno contratempo. Mas sim, vim para dançar, vamos?
Camille! Camille!Camille! Repeti inúmeras vezes na minha mente, como se quisesse manter aquele nome escrito em algum lugar. Não, queria tatuá-lo no coração. O que esta mulher tinha para arrebatar alguém dessa forma? Inexplicável.
Fiquei tão compenetrado em olhá-la que um dos meus amigos notou.
-O Augusto é um ótimo dançarino. Vai com ela.
Ela olhou pra mim e sorriu. Quão fascinante é o sol quando rompe a escuridão da noite. O sol não poderia se comparar ao seu sorriso.
-É, hum. Mas... -Disse completamente atrapalhado, já levantando.
Ela sorriu de novo e pegou minha mão. Quente, a mão dela era como fogo na minha. Que foi consumindo meu braço e me tomou por completo. A partir deste ponto já não era mais eu, esqueci tudo que estava ao redor, só conseguia focar em seus olhos.
Não me lembro da música, apenas sentia o seu corpo envolto dos meus braços, o seu perfume.
Em todo o tempo que dançamos não houve palavras, nossos olhos se encontravam, um fogo crispava nos meus, os delas para mim continuavam incompreensíveis. Nossos corpos se moviam uniformes, conseguia sentir o seu coração, ver o suor flutuar em direção ao seu busto, tudo aquilo era como uma droga, meu ópio. Nublava inteiramente meus sentidos.
Dançamos como pagãos. Éramos a mesma carne, o mesmo sopro de desejos ritmados. Sentia que minha alma ia se extinguindo tomada por um fogo que me consumia. A beijei. Seus lábios a início surpresos logo se entregaram submissos, eram como lavas embebidas em mel. Meus braços a envolveram firmes, não sabia se nos movimentávamos, talvez o mundo girasse ao nosso redor. Poderia estar no meio de chamas, meus sentidos eram todas dela.
Naquele único beijo que dei, pude sentir e doar toda a paixão e lascívia que meu peito ignóbil poderia propiciar. Ela era a minha Lucíola. O meu símbolo infame e puro de amar. Todo o meu pecado e devoção. Para um ser em completa sinestesia o tempo é inerte. Um segundo de completa paixão perdura e toma toda uma vida.
Eu permaneceria ali, naquele gozo tão incisivo que não sabia se era dor ou delícia, mas logo ela se apartou de mim. Olhou-me tristemente nos olhos. Como se uma lembrança a atormentasse. Senti logo o fel que precipita depois de um incólume prazer.
-Você é muito sério. - Ela me disse esboçando um sorriso.
-Não consigo pensar direito.
-Por quê?
-Você me deslumbra.
Ela sorriu tristemente.
- Não sou alguém confiável pra se apaixonarem.
-É tarde demais pra mim então.
- Você não me conhece, nunca trocamos palavras, foi apenas um beijo. Você não pode já ter se apaixonado. Esqueça Augusto!- Disse soltando dos meus braços.
Não poderia deixá-la ir, não poderia perdê-la. A tomei pelo pulso puxando-a para mim.
-Por que não? Eu nunca senti isso por ninguém. O que importa se nos conhecemos faz 1 hora ou 10 anos. Deixe-me pelo menos tentar.
-Augusto, esqueça. Eu só vou magoar você. Não posso me relacionar com ninguém. No fim jogarei seu sentimento na lama. Mas obrigado. Senti-me especial. Vou lembrar-me de você.
Soltou a minha mão e desapareceu entre as pessoas. Tentei procurá-la, mas tudo foi em vão. Voltei à mesa em agonia. Transtornado.
-Viu a Camille? Perguntei aos que estavam na mesa.
- Ela foi pra casa, não pode ficar muito cansada. Ah! Pediu pra te entregar isso.
Era um guardanapo com umas palavras escritas: “ Lembrarei de você o tempo que me restar. Obrigado por me fazer feliz por essa noite. “
Os dias passaram lentamente. Arrastavam-se sem sentido. Camille passou por minha vida com um sonho diáfano. A dor era insuportável. Amaldiçoei o meu “sim”, sei que não sentiria amor como aquele nunca em minha vida, mas talvez pudesse ter vivido sem ele.
Mais tarde descobri que alguns dias depois desta noite, ela havia morrido. Algum raro problema no coração. Nunca mais me senti assim. Amei uma mulher com todas as minhas forças por uma noite. Mas a lembrança continua tão viva que quase posso senti-la em meus braços.
Flávia, minha eterna relíquia escondida em meu peito.

Comentários

Anônimo disse…
Muito lindo mesmo...

mas vc vai me fez chorar =/

Postagens mais visitadas deste blog

Reflexo

Textos de Aeroporto

O Chafariz